terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Literatura - Profissão ou Hobby?

Recebi recentemente uma solicitação inusitada.

Minha comadre, participante de uma ONG engajada na recolocação profissional de pessoas me pediu para escrever um artigo comentado a mudança pela qual estou passando.

A ONG para quem se interessar é: Unidos Somos Mais

A princípio, me senti orgulhoso. Compartilhar histórias é o que mais gosto de fazer.

Mas, com o tempo, pensei melhor... Será que eu sou exemplo de alguma coisa? Por que motivo alguém deveria se inspirar em mim para tomar qualquer decisão?

É muita responsabilidade.

Sim, eu mudei de vida. Trabalhei durante quase 20 anos no ramo da tecnologia e consegui (com uma ajuda enorme da minha esposa) ter uma casa própria e uma vida, sem luxos, porém confortável.

Em 2014 decidi desengavetar um projeto antigo, a publicação de um livro. Também estava cansado após anos e anos de muito trabalho e quase nenhumas férias. Decidi também ingressar em uma nova faculdade. O curso de letras vinhe de encontro a algumas atividades que sempre pensei em fazer: dar aulas e escrever livros.

Mas o destino me obrigou a adiantar esses planos. A crise econômica me incluiu na imensa lista de desempregados aonde permaneci por 7 meses.

As opções eram deixar a cidade que escolhi morar (Limeira) e voltar para o inferno paulistano ou me sacrificar num percurso de 120 quilômetros diários para manter o padrão de vida.

Decidi dar aulas de inglês aproveitando os muitos anos em contato diário com o idioma. Após algumas entrevistas e treinamentos, consegui um cargo como instrutor de inglês na escola em que atuo a um ano.

E o livro? Graças à ajuda da esposa e de amigos verdadeiros, consegui transformá-lo em realidade. Não consegui uma editora disposta a publicá-lo, mas encontrei uma disposta a fazê-lo desde que eu comprasse 150 livros de uma tiragem de 1000.

"O Mistério de Boa Esperança" é um sonho realizado e as críticas andam ótimas.

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Esse texto poderia acabar por aqui, mostrando a incrível trajetória de sucesso de quem largou o trabalho empresarial e conseguiu fazer o que gosta, não é mesmo?

Infelizmente essa mudança toda só me foi possível porque me encontro em uma situação bastante diferente da maioria dos desempregados deste país.

Já tendo casa própria, minhas despesas são baixas. Ser casado com uma pessoa que ainda labuta na escravidão da tecnologia e rebeber um aluguel de outra propriedade fazem de mim uma pessoa privilegiada, subsidiada para viver seus Hobbies.

Sim, o trabalho como instrutor de inglês, por mais divertido e engrandecedor que seja, paga muito pouco. Seria impossível manter uma casa e uma família dessa forma.
Também não tenho filhos para criar. Não tenho outras vidas sob minha responsabilidade.

A literatura? As vendas de livros continuam a subir no Brasil ano a ano. Apesar disso, o brasileiro médio lê menos de um livro por ano. E quando o faz, provavelmente escolhe algo escrito por algum famoso autor internacional.
Um ano após o lançamento do meu primeiro livro, vendi menos da metade dos livros que adquiri e não consegui nem empatar o dinheiro investido, mesmo com as críticas ótimas que a obra vem recebendo.

Complemento minha renda escrevendo artigos freelance que também pagam valores quase ridículos, tudo na esperança de terminar a faculdade em 2019, conseguir um emprego que pague um pouco mais e seguir a vida esperando que a justiça resolva um processo parado desde 2008...

Devo então alertar aqueles que pretendem seguir o meu exemplo. É possível sim mudar de ares, mudar de profissão e ter realização pessoal, porém é preciso antes pensar nas contas à pagar e naqueles pelos quais somos responsáveis.

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